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Um grupo coral numa aldeia do concelho de Alandroal faz justiça à tradição musical alentejana, inconfundível nas suas sonoridades e emoções. Ouvi-lo cantar composições que remetem para as antigas tradições rurais, as duras formas de trabalho agrícola e os modos de divertimento popular é um privilégio e uma experiência única. Esta tradição antiga está bem viva na memória coletiva e tem os seus cultores e seguidores no concelho de Alandroal. Além dos que damos a conhecer, há mais poetas à espera de serem descobertos nas terras do concelho. Procure-os e será recompensado.
Todas as sextas-feiras à noite há encontro. Os 16 homens e mulheres que compõem o Grupo Coral Trigueirão no Relheiro reúnem-se no edifício da antiga escola primária de Hortinhas e ensaiam o seu reportório: as letras e músicas das antigas tradições dos camponeses, nos trabalhos agrícolas, nas festas ou bailaricos, ganham de novo vida. ”Tivemos um rancho durante mais de 10 anos. As recolhas feitas nessa altura foram agora introduzidas no grupo”, explica José Maneiras, presidente da Associação Núcleo de Cultura e Formação de Hortinhas, no âmbito da qual foi criado, em 25 de Abril de 2012, o Grupo Coral Trigueirão no Relheiro.
O nome pode parecer estranho para muitos, mas provém diretamente do universo alentejano: o trigueirão é uma ave e o relheiro é o nome dado aos molhos de trigo amontoados após as colheitas. A atividade da associação, por seu lado, não se esgota na dinamização do grupo coral. Fundada em abril de 2011, é responsável pela organização do Festival da Concertina – Acordeão, que se realiza desde 2009, sempre no primeiro fim de semana de outubro. Desde a edição de 2013, tem-lhe associado o nome de Dionísio Bandalhinho, ”um grande acordeonista autodidata de Hortinhas que morreu muito cedo”, lembra José Maneiras, e que foi uma espécie de padrinho do Festival.
A grande oportunidade de ouvir o Grupo Coral é no outono, mas há sempre a possibilidade de assistir aos ensaios, combinando previamente com José Maneiras.
Nunca foi à escola e só aprendeu a ler e a escrever, quase por acaso, aos 15 anos. Ti Pinto (88 anos), antigo agricultor, padeiro e outros ofícios de sobrevivência, só viria a fazer a quarta classe muito mais tarde, já com 59 anos. Mas isso não o impediu de ver surgir os poemas na sua cabeça ”logo de nascença” e só depois começar ”a viver a vida de muitas maneiras”. Trabalhava a guardar ovelhas numa herdade, onde tinha como companheiro um rapaz um pouco mais velho que sabia ler. ”Com umas laginhas a servir de ardósia, foi ele que me ensinou a ler as letras; primeiro as do alfabeto, depois as palavras mais pequenitas e a seguir as outras. Passado tempo, já lia as letras dos jornais e era mesmo capaz de ler cartas.” Graças a essa aprendizagem (”naquele tempo, se tivesse uma dúvida, não havia ninguém para a resolver”, recorda Ti Pinto), faz hoje poemas de ”toda a maneira”, que é uma forma de dizer que muitos e variados são os temas que desenvolve. Aprecia o canto ao despique, gosta de ir a encontros de poetas e tem prazer em dizer os seus poemas em público. Acontece que a memória já não é a mesma de outros tempos e, por isso, prefere lê-los depois de os escrever. Uma volumosa pasta em cima da mesa guarda um sem número de poemas seus, que mostra e oferece sem problema – os originais estão no computador.
Se não der com a casa, qualquer vizinho sabe onde mora Ti Pinto.
Hortelão, pescador e poeta, Ti Pisco (62 anos) começou a fazer poemas aos 12, 13 anos, já não se lembra bem. O avô fazia-os, o pai também e a tradição cumpriu-se com ele, prolongando-se agora no filho José Miguel (26 anos), que ”também tem jeito para isso”.
Fazer poesia é coisa que não se ensina, diz Ti Pisco, mas ”a escola ajuda”. Ou seja, saber ler e escrever são ferramentas que permitem dar expressão literária à inspiração do momento. E, para que isso aconteça, tudo serve: ”Os poemas dependem do acontecimento, da política ou do assunto do momento que eu veja que é interessante.”
O namoro, a pesca, a caça, a morte ou o Governo podem ser temas. Há quadras que saem na hora, de repente, mas se o poema for maior ficará acabado no dia seguinte. A maior parte, confessa, surgem-lhe quando está deitado, mais descontraído. Umas vezes, Ti Pisco escreve-os, outras ficam na memória.
Hoje, é nos encontros de poetas populares, realizados um pouco por todo o país, que tem oportunidade de dizer as suas poesias. Antigamente, porém, as tabernas, as tascas ou os convívios de aldeia, que eram muito frequentes, proporcionavam auditórios mais alargados: ”Os novos acompanhavam os velhos, vinham namoriscar e havia despiques, bailaricos sem música, cante e bailes de roda: um cantava, outro respondia e assim se arranjava namoro!” Ti Pisco não sabe quantas poesias fez. ”É um império! Estou sempre a fazê-las e vou continuar até morrer.” Quer ouvi-lo? É simples: basta ligar-lhe ao fim da tarde, depois de vir da horta. Levar uma ”fresca” ajuda.
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